só eu sei como chovia aquele dia. os pés molhados, os dedos dos pés molhados, dava pra sentir congelar. fazia sol, eu lembro, fazia sol e chovia torrencialmente em cima de mim. eu não sinto muita fome, não preciso de muito espaço, só uma janela pra poder soltar a fumaça do cigarro, uma privada e um canto pra dormir, quem sabe uma coberta, não se incomode, fico com esse lençol fino aqui.
não adianta pensar muito, desejar muito e não esquecer. são tudo vícios. e a gente que deseja e que pensa e que deseja mais ainda porque deseja pensando a gente tá é fodido, não vê? e a gente quando não esquece a gente fica feio, as pessoas mesmo te dizem na cara como tu tá feio, mas outro dia carmem falou do quanto eu estava bonito e eu disse que eu era bonito mas agora estava leve.
o espelho nos dá sustos horríveis e eu sempre tenho medo de ver no espelho do banheiro a cena daquele filme, daqueles filmes, aquelas cenas de sempre em que se olha no espelho e tem um fantasma atrás. deus não existe, mas fantasmas sim? outro dia quase caio fugindo de um que eu alimento no arquivo-morto, aquele sótão fedido a mofo que eu visito dia-sim-dia-não.
mas o susto do espelho: fui brincar, sorri pro espelho e não consegui dormir, há quanto tempo não parava e fitava aquele estranho que eu conheço tão bem de dentro mas que de fora me espanta, esse estranho que eu via e era eu mesmo envelhecendo.
chovia tanto, tanto, só chovia e eram águas barrentas até as canelas, até os joelhos, o saco gelado e a água no pescoço, meu amigo, minha amiga, a água no pescoço e eu pensando em como deve ser triste morrer carbonizado, como são as coisas, a água chegando e eu pensando no fogo, veja como são as coisas.
chovia aquele dia, mas fazia sol, e era um sol de doer, não estivesse chovendo teria sentido o pé torto aquecer sobre a borracha que derreteria no asfalto. fazia um sol dos diabos e chovia torrencialmente em mim. isso aquele dia. hoje também chove, sabia? olha pela janela e me diz que faz sol, nem que seja de mentira. um sol nem que seja de mentira! um sol de mentira, um sol.
sexta-feira, 31 de julho de 2009
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3 comentários:
uma amiga minha sempre me diz que quando chuva vem, é alguma mudança. acho que então quando ela vem, a gente escorre em parte junto... e o sol é a luz no meio do turbilhão?
ele veio e já fugiu.
a luz só se descobre quando é sentido de dentro.
sentida pelo sentido.
nossos poros mandam mais que a temperatura - sensíveis ou submetidos?
''...you got a light you can feel on you back/ a light you can feel on you back...''
;)
texto bom.
Treme o alto sino ao meio dia em ponto em cada ouvido que trabalha sob sol nesse escaldante dia; mãos sujas esfregam o suor gorduroso das testas dessas humildes pessoas. Barulhentos embrulhos de pacotes mornos saciam parte de uma fome sombria.
Soa o apito do moço no alto, arregalando os olhos a chibatar:
-Corram, Corram seus pobres infelizes,
tem mais horas pra trabalhar.
Estou com fome de dinheiro...
silêncio que vou descansar.....
Nesse dia pararam de trabalhar
E encheram o peito pra gritar:
-Fume de uma vez o cérebro do que resta dessa amargura carnavalesca que é morrer de penar.
E uma nuvem cobriu o sol que lascava o dia.
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